FERNANDO PESSOA, VIDA E OBRA

POESIA TRANSCENDENTE

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A força liturgica da poesia de Fernando Pessoa (Lisboa, 1888-1935) deu ao poeta português um lugar definitivo na literatura universal. Em sua engenharia poética forjou vários outros poetas, - seus heterônimos. Cada um deles com uma personalidade, estilo e crença, distintas. Publicamos aqui dois de seus poemas. O primeiro deles, apesar de uma coloração panteísta, é uma bela oração brotada com toda sinceridade de um coração reverente a Deus.

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SENHOR....

Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte!

Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és Tu também.

Onde nada está tua habitas e onde tudo está – o Teu templo – eis o Teu corpo.

Dá-me alma para Te servir e alma para Te amar.

Dá-me vista para Te ver sempre no céu e na terra,

Ouvidos para Te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em Teu Nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas

dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos.
Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e a servir-Te como a um Pai.
Minha vida seja digna da Tua presença. Meu corpo seja digno da terra, Tua cama.
Minha alma possa aparecer diante de Ti como a de um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o sol para que eu te possa adorar, e torna-me puro como o luar,

para que eu te possa rezar; e torna-me claro como o dia

para que eu te possa ver sempre em mim, e rezar e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me! Dá-me que eu me sinta Teu.

Senhor, livra-me de mim.

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir ser dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só as que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de cordas
Que se chama coração.

01.04.1931