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sábado, maio 17, 2008

PARADIGMA & ATUALIDADE


NOSSO TEMPO SOMOS NÓS

O titulo acima se refere a uma afirmação de Carl Gustav Jung, um dos pais da psicanálise. Filho de um pastor protestante foi marcadamente influenciado pelo cristianismo – apesar de sua formação acadêmica eclética. Em várias ocasiões defendeu a espiritualidade real como uma das geratrizes da vida psicológica saudável. Foi aluno de Sigmund Freud e, a nosso ver, superou seu mestre que afirmava que o comportamento humano sempre é derivado de uma causa
de fundo sexual. Jung rejeitou essa unilateralidade incluindo outras motivações, especialmente à que diz respeito ao espírito do homem.
Nossa intenção é meditar um pouco sobre nosso tempo, baseados na afirmativa inspirada de Paulo: “Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade,
negando-lhe, entretanto, o poder
” (2 Timóteo 3.2-5). A frase de Jung de que “nosso tempo somos nós” cabe perfeitamente como explicação para a realidade presente nas manchetes dos jornais e TVs. Não é difícil a gente manifestar repúdio veemente diante de fatos como o do austríaco que abusava de sua filha, mantendo-a presa por mais de 20 anos em seu bunker secreto; o assassinato da pequena Isabella – que a imprensa explora exageradamente – e tantos outros casos, desde o do cirurgião que matou a esposa com requintes de crueldade, passando pela mulher que torturava sua filha adotiva, até aos escândalos políticos que envergonham nosso País - que se sucedem em todo o planeta.
Referindo-se a esse tempo, descrito em sua segunda carta a Timóteo, onde os homens são “mais amigos dos prazeres que amigos de Deus”, o Senador Magno Malta – presidente da CPI da Pedofilia - desabafou em entrevista num programa da TV Bandeirantes: “Muitos personagens que aparecem em denúncias de atentados contra menores usam togas de juiz, anéis de doutor, gente da alta sociedade, padres e até pastores. Muitos deles também vítimas quando crianças”. Jesus destacou a falta de afeição natural como um dos sinais do tempo do fim: “O amor esfriará de quase todos, mas aquele que permanecer fiel [ao amor] será salvo. Seguindo o raciocínio brilhante de Jung, deixemos de lado nosso senso primário de justiça própria para encarar nossa própria realidade – especialmente se usamos o rótulo de cristão, monoteísta, católico ou cristão evangélico. Vamos meditar sobre nossa própria circunstância e enxergar nossa negligência e omissão – seja com relação aos pobres como aos ricos miseráveis de espírito. Quantas pessoas passam por nós e ficamos em silencio, com vergonha de dizer o nome de Jesus. Muitas vezes nos abstendo de um diálogo por medo e covardia.
Quantas pessoas poderiam ter sua história transformada por um abraço, uma palavra de estímulo, um convite para um café, a amizade sincera e não interesseira de fazer um novo membro dizimista da denominação. Somos, apesar de religiosos, também “egoístas, avarentos, jactanciosos”. Como Igreja, elegemos prioridades que contradizem os ensinos do Senhor da Igreja, para construir impérios religioso-financeiros e nos ufanar de nossos templos
majestosos, redes de rádio e TV, braços políticos, tapetes felpudos, ar condicionado, mordomias clericais, etc.
Condenamos os governos como se não fossemos, também, responsáveis pela miséria que nos cerca – porque somos omissos e esquecemos o que Jesus disse a respeito: “Os pobres vocês sempre terão consigo”. Somos, geralmente, interesseiros e queremos engordar as finanças das instituições eclesiásticas com recursos sovinamente granjeados – negando partilhar as bênçãos materiais e celestiais; somos, muitas vezes, “traidores” do verdadeiro Evangelho porque nos calamos diante das injustiças de nosso próprio redil; somos “enfatuados” (cheio de si; presumido, vaidoso, arrogante, fátuo) obcecados pelo sucesso ministerial mesmo que tenhamos que fazer concessões ilícitas – complacentes -frente a ovelhas que se desviam e pecam porque nossa causa e a causa de nosso grupo ficaram mais importantes que a Causa de Cristo.
Nossa época somos nós e devemos discerni-la principalmente a partir de nós mesmos, como cristãos, individualmente, e como parte da Igreja.
A Igreja, em sua prática, em seu papel de testemunha, é também responsável pelas mazelas do nosso tempo. Quando a Igreja deixa de refletir com fidelidade a imagem de Cristo – vivendo-a no dia a dia de um mundo em crise e em transformação – deixa de ser um referencial legitimo e confiável para a sociedade. Sabemos como a mídia nega revelar o que ela tem de bom, saudável e magnânimo – porém tem a obrigação de ser sal da terra (o que dá sabor à vida) e luz do mundo – deve ser modelo e guia para aqueles que ainda não tiveram a ventura de ser contemplado pela misericórdia de Deus.
Jesus, referindo-se aos religiosos de seu tempo clamou: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!” (Mt 23.15).
Diante de fatos tão amargos que vemos em jornais e na TV devemos nos prostrar diante de Deus e clamar por misericórdia. É fácil jogar pedras, acusar e atribuir culpa aos “ímpios e pecadores” que não fazem parte de nossa congregação – difícil, porém, é tirar o argueiro dos próprios olhos. Ah! É tempo de lamentar e chorar nossos próprios pecados e ver como estamos, como Igreja em nosso tempo, perdendo o rumo da Igreja plantada por Jesus Cristo no coração de seus apóstolos. É tempo de arrependimento e de buscar reformar a nós mesmos e a nossa comunidade de fé – em submissão ao Senhor da Igreja e Sua Palavra.
Da mesma forma que Martinho Lutero, em 1517, afixou as 95 teses no portal de Wittemberg, condenando os erros e apostasia da Igreja de seu tempo, devemos também denunciar nossos próprios erros e apostasias – sejamos históricos, católicos, pentecostais, liberais ou neo-pentecostais. Possamos olhar e imitar a Igreja de Tessalônica, por exemplo: “Damos, sempre, graças a Deus por todos vós, mencionando-vos em nossas orações e, sem cessar, recordando-nos, diante do nosso Deus e Pai, da operosidade da
vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, reconhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição
” (1Tessalonicenses 1.2-4). Era uma Igreja cuja fé não era morta, nem fingida – mas operante; que suava a camisa pela Causa de Cristo; era uma Igreja capaz de amar o seu próximo mesmo que para isso tivesse que negar a si mesma e pisar o próprio egoísmo; era uma Igreja que, de fato e de verdade – mesmo em tribulação – tinha sua esperança firmada em Cristo e não no materialismo humanista que faz com que nosso culto seja centrado no homem e em suas necessidades (muitas vezes mesquinhas) – e não na glória de Deus.
Esses três pilares: a fé, o amor e a esperança vividos conforme a vontade de Deus (e não segundo a carne, o mundo e o diabo) é que revelavam a condição daqueles irmãos como, realmente, eleitos de Deus. Possamos, como os tessalonicenses, deixar os ídolos e nos converter de fato e de verdade, para servir o Deus vivo e verdadeiro, aguardando o Filho, Jesus, que nos livra da ira vindoura (1 Tes 1.9-10).
José J Azevedo